— Ah, tem como trocar essa música?
— Uai, mas você curte eles, não?
— Ahm, curto mais… Não aguento mais inglês, tô de altas do inglês, não dou conta mais, minha mente fica automaticamente traduzindo tudo, esse trabalho… Estou cansada, esgotada. Se formos considerar bilíngue a pessoa que tem o domínio pleno de dois idiomas, como se fosse os dois fosse sua língua materna, eu definitivamente não sou bilíngue. Eu sei inglês, o suficiente para ter uma profissão baseada nisso, mas é um trampo, cansa. Cansa o suficiente para eu não querer escutar nem música em inglês agora…
— Nó, fia, cê tá cansada mesmo, tá num burnout.
— Ai, para, burnout não, tô só o pó da rabiola.
— Ô, foi mal, amiga, não foi de deboche não, foi sem querer, haha, quis dizer que cê tá cansada mesmo, estressada…
— Assim, cê sabe que estressada vem de stress, stressed, né? A rigor também não é português.
— Foi mal, foi mal…
— Tố precisando de uma cachoeira…
— Vão pra Bahia, sá.
— Nó, aí cê falou.
— Vão pra Salvador.
— Nó, boto fé demais.
— A prima de Janete tem uma casa perto de Salvador. Como é? Lauro de Freitas, a gente vê com ela.
— Nossa, é isso, bora, vão pra praia, ficar à toa na praia, no máximo lendo um trem bem de boa.
— Bora ler Jorge Amado na praia.
— João Ubaldo, prefiro João Ubaldo.
— Pode ser, vamos fazer, a dieta da Bahia, higiene mental na Bahia. Como é que você tá, rola?
— Acho que no final do ano dá, quando o Sérgio for ficar com Úrsula nas férias de dezembro e janeiro, eu acho que eu consigo parar umas duas semanas.
— Menina, cê tá doida, só duas semanas? Tem mais de cinco anos que você não tira férias e vai parar só duas semanas?
— É o que dá.
— Aí, não, isso é masoquismo, menina, vamos mais de duas semanas.
— Se eu ficar duas semanas sem pegar nenhuma tradução nova eu vou surtar.
— Miga, cê tá surtando, cê tá surtada. Baixa o facho, sá, vamos descansar. Tomar altas cervejas, comer camarão, olhando pra praia.
— Não, dá, não dá para deixar Úrsula mais de duas semanas com Sérgio.
— Caramba, Lúcia, assim não dá, ele é pai, ele tem de também dar conta da filha…
— Ô, Joana, eu pulei fora porquê quem tem filho grande é elefante, socorro, o Sérgio não sabe tomar conta nem dele mesmo…
— Ah, mas você sabe bem como as coisas funcionam, Úrsulinha vai passar mais tempo com a avô e com a tia Drica do que com Sérgio. Tá sussa, sá, bora lá, bora pra Bahia…
— Vamos ver…
— Pô, não gostei desse tom, miga. Você tem de animar! Eu tava pensando aqui, se chamássemos o Jeremias e a Cátia?
— Haha, eles são muito loucos…
— Pô, lembra do ano novo em Bichinho?
— Ô, se lembro, haja presepada.
— Então, cê chamamos os dois o preço da casa cai pela metade, nós dividimos, olha só.
— É… Poder ser…
— Assim, muito paia, né? Cê tinha de parar agora, agorinha mesmo, mas se só dá no final do ano, por conta de férias de Úrsulinha e ela ficar com Sérgio, ou a família de Sérgio, que seja, nós podemos ir olhando passagem e talvez ir de avião, o que cê acha?
— Pô, aí fica muito salgado… Ao mesmo tempo que dois dias de busão é tenso pra caramba, esse trem de ficar horas parada mais ou menos na mesma posição arregaça a coluna, a digestão, a cabeça…
— Fora o microcosmo do busão…
— Vou te falar que o microcosmo do aeroporto com a galera metida à besta montada para pegar avião me dá mais nos nervos, anos de ir para o interior me acostumaram com as crianças berrando, o radinho do carinha sem noção, o fedor de queijo artificial emanando do chips de segunda, o cheiro de pastilha de freio queimada…
— Eca, pior só quando o povo podia fumar…
— Mas, sim, ir de avião vai ser muito mais suave, vai dar um clima de férias e de descanso muito mais crível.
— Vamos embora então, ê, Baia.
— Opa, é a segunda esquerda.
— Aqui?
— Isso.
— Tudo certo, aí, seus trem estão aí?
— Peguei tudo aqui. Valeu demais, Jô. Beijo. Até… Terça, é isso?
— Terça, isso. Beijo, amiga.