Renúncia a Satanás

Não sou Holden Caulfield,
sou velho e desconversado;

não sou Ródion Raskolnikov,
quero a morte da Usura,
(Pieeeeetro Lombaaardo — não, para, para…)
mas, ai, coitada da usuária rachada;

não sou Stephen Dedalus,
se mamãe pedir, ajoelho,
rezo e peço benção.

Era menino mineiro
quando inteiro.

Depois fiquei besta, muito besta.
Agora, rodado, cansado,
peço que disso tudo se esqueça:
deixo esses falsos hérois de lado.

SAMI 1

Era uma época muito diferente. Dilma presidente. Não sabíamos que as coisas iriam chegar onde chegaram, mas já víamos a extrema direita se organizando. Tinha skinhead na Savassi, sô, cês lembram. Interessava-me por anarquia e anarquistas. Depois de uma reunião — nas quais era muito chique sentar no chão mais absurdamente imundo possível como se não fosse anti-higiênico, nojento e desnecessariamente contraprodutivo (uma calça que você poderia lavar só na semana que vem) — um bolinho de gente se formou ali perto do Fornada. Sami ficava olhando sem parar para o Carioca. Depois de muito encarar, falou:

— Cê é o quê? Cê é R.A.S.H.? Cê é trad?

Ao que o Carioca respondia repetidamente, muito triste com a confusão, que era (e ainda é) apenas um um gordinho careca da alegria.

E Sami ficava olhando para ele, rindo. Hoje eu sei que rindo, desconfiado, de nervoso.

Sérgio – XVII

Sérgio, quando funcional, era muito tenso. O homen tenso como sinônimo de adulto, importante, sério. A cara feia, encrespada, como símbolo de virilidade. O desespero como símbolo de virilidade (e também um desespero pela virilidade). A carranca como proteção. A autoridade do sisudo. Os dentes apertados, o pescoço projetado, os ombros arqueados, a coluna curva diante de um problema. Contra o problema a careta, o sofrimento. Musculatura travada, atrofiada por travada. A respiração curta. Coagula. Coagula et non solve. Sérgio, quando funcional, era muito tenso. Sérgio era disfuncional.

Nota para mim mesmo: esse riscado significa que eu já passei essa parte para o trecho maior em progresso de Sérgioooooooooooo